Lições de Estratégia Militar-Aeroespacial: Do Conflito do Vietnã aos Combates da Chechênia, Passando pela Intervenção Soviética no Afeganistão e Norte-Americana no Golfo Pérsico

 

 

Algumas importantes lições de estratégia militar – e, particularmente, de emprego de meios aeroespaciais – parecem jamais ser aprendidas em sua inteireza, não obstante os repetidos exemplos que a história insiste em demonstrar.

Um dos maiores erros de compreensão e percepção do complexo fenômeno da guerra moderna parece ter sido plenamente entendido – para nunca mais ser repetido – na campanha aérea do Vietnã, denominada por operação Rolling Thunder.

A ideia básica dos estrategistas militares norte-americanos, desde o início oficial da participação estadunidense no conflito em 1964, era simplesmente de se estabelecer um mecanismo de gradativa pressão de guerra aérea que obrigasse, em última análise, o Vietnã do Norte a não somente suspender o seu apoio político-militar ao movimento Vietcong no Sul, como ainda, a inibir por completo qualquer idéia de invasão terrestre ao Vietnã do Sul.

Os bombardeios nucleares B-52 Stratofortress, adaptados para transportar 28 toneladas de bombas convencionais (32 toneladas nas versões aperfeiçoadas B-52 G e H), cumpriam a missão estratégica de bombardear alvos em território norte-vietnamita com restrições a zonas de exclusão pré-estabelecidas que se resumiam, especialmente, a uma circunferência em torno das duas principais cidades: Hanói e Haipong.

Gradativamente, todos os alvos importantes foram transferidos para estes locais “protegidos”, permitindo ao Vietnã do Norte estocar armamentos e outros meios necessários a sua campanha em relativa segurança.

Portos e outros entrepostos de recebimento de material bélico soviético (e, em parte, também chinês e norte-coreano) se incluíam nas chamadas “áreas proibidas”, viabilizando uma relativa margem de tranquilidade ao inimigo.

Em território sul-vietnamita e fronteiriço, onde inexistia qualquer zona de restrição ao emprego de aeronaves de bombardeio tático (inicialmente foram utilizados preponderantemente o F-105 Thunderchief, – que podiam ser derrubados por artilharia antiaérea e por caças MIG-21 Fishbed -, e, posteriormente, com muito maior sucesso, o F-4 Phantom-II e o A-6 Intruder, baseado em porta-aviões, com capacidade de ataque noturno e em qualquer tempo), a estratégia reativa foi a utilização de “santuários” em países vizinhos, simpáticos à causa comunista.

O resultado final desta equivocada estratégia (que chegou a consumir em 1967/8, US$ 9 bilhões para efetivamente destruir pouco mais de US$ 100 milhões) somente ficou patente com a ofensiva combinada vietcong e norte-vietnamita em 1968 (ofensiva do Tet), que demonstrou claramente um Vietnã do Norte forte, coeso e determinado a reunificar o Vietnã sob a sua bandeira.

A virtual derrota militar dos Vietcongs, – que perderam, nesta oportunidade, mais da metade de seus efetivos -, não se traduziu em consequente vitória norte-americana e o início dos bombardeios a alvos norte-vietnamitas, sem restrições amplas, apenas assegurou a assinatura dos acordos de Paris e o início da retirada das tropas terrestres estadunidenses de 530.000 homens estacionados em território sul-vietnamita (além de mostrar um Presidente Lyndon Johnson, outrora arrogante, deprimido e envergonhado, que sequer apresentou sua candidatura à reeleição).

Em 1972, uma segunda ofensiva norte-vietnamita (em total descumprimento ao estabelecido nos acordos de Paris, em 1968) foi novamente repelida com apenas 20.000 efetivos restantes do exército norte-americano (além do exército regular do Vietnã do Sul) e o valoroso auxílio do chamado “guarda-chuva” aéreo americano que, ao seu tempo, culminou com a decisão histórica do então Presidente Richard Nixon de proceder a uma ousada intervenção no vizinho Laos (à véspera das eleições presidenciais norte-americanas) e à operação Linebacker II, em dezembro de 1972. Durante alguns dias o Vietnã do Norte, pela primeira vez, foi duramente castigado por bombardeios B-52 G e H, partindo de três diferentes localidades (Vietnã do Sul, Guam e Tailândia), ininterruptamente, durante vários dias, sem qualquer restrição (os portos inimigos foram completamente minados). Os resultados foram imediatos (embora não surpreendentes): não só todos os prisioneiros norte-americanos oficialmente reconhecidos foram repatriados, como o Vietnã do Norte foi obrigado a assinar novos acordos de paz, em janeiro de 1973, assegurando formalmente o fim das hostilidades no Vietnã e consagrando a divisão entre o norte e o sul (os acordos não foram cumpridos, entretanto, pelo norte que, aproveitando-se da crise política norte-americana com o escândalo de Watergate, em 1974, cruzou a fronteira do Vietnã do Sul no final daquele ano, conquistando, em poucos meses, todo o território do sul, já não mais protegido pelo poderio aeroespacial estadunidense).

Embora a operação Linebacker em 1972 tenha sido coroada de pleno êxito, a campanha aérea do Vietnã (operação Rolling Thunder), de modo geral, demonstrou claramente o equívoco de se empreender uma estratégia aeroespacial que não objetive fundamentalmente a completa e total destruição dos meios do inimigo, retirando a sua vontade de lutar.

O mesmo erro foi, em alguma medida, cometido pelos soviéticos em 1979, quando de sua desastrosa intervenção no Afeganistão.

Tanto os EUA, no Vietnã, como a extinta-URSS, no Afeganistão, foram reféns, sob certo aspecto, não só de uma política internacional de busca irrestrita de estabilidade, como também de uma equivocada percepção da natureza ampla e complexa dos respectivos conflitos em que se envolveram.

Embora a herdeira da extinta União Soviética, a Rússia, pareça não ter aprendido as lições básicas destas aventuras militares, – em face de seu inicial desempenho medíocre na crise da Chechênia (1ª intervenção 1994/1996) -, os norte-americanos, sem dúvida, demonstraram, com as operações escudo e tempestade no deserto, no Iraque, possuir uma nítida compreensão histórica de como deve ser empregada eficientemente a máquina aérea-militar.

O território iraquiano, simplesmente, durante vários dias e noites, sem qualquer restrição, foi intensa e permanentemente atacado por todos os tipos de meios à disposição das forças armadas estadunidenses, incluindo bombardeios B-52 e FB-111, aviões de ataque A-10 Thunderbolt II (da USAF) e A-6E Intruder e FA-18 Hornet (embarcados), caças F-117 (Stealth), F-111F, F-16 Falcon e F-15 Eagle (da Força Aérea) e F-14 Tomcat e F-18 Hornet (da Marinha), além de aeronaves de outros países e mísseis de cruzeiro disparados de unidades navais.

O resultado – não obstante estrategicamente planejado –, nem por isso deixou de ser surpreendente: destruição maciça de meios militares e de suporte geral do então quinto maior exército do mundo (após os exércitos russo, chinês, americano e indiano) e rendição incondicional, alguns dias após o tranquilo desembarque de fuzileiros navais e a não menos fácil invasão terrestre dos exércitos aliados.

Os próprios russos, em um segundo momento, – durante a chamada 2ª Guerra da Chechênia (1999/2009) -, também pareceram ter entendido melhor o papel do poderio aeroespacial, empregando-o de maneira maciça e com resultados notáveis.

A chamada 2ª Guerra do Golfo (2003) igualmente logrou demonstrar a inexorável importância do poderio aeroespacial, não obstante os problemas posteriores de ocupação que afligiram as tropas estadunidenses.

Mais uma vez, a história registrou a primazia do poderio militar aeroespacial e a importância fundamental do estabelecimento da superioridade aérea, reafirmando as lições estratégicas, introduzidas há mais de 50 anos (com a 2ª Grande Guerra), que preconizou, em termos amplos, por uma maciça ofensiva aérea, em qualquer tipo de guerra, que destrua previamente todos os meios de defesa e de ataque do adversário e, principalmente, sua vontade de se engajar ou continuar o conflito.

[*] Desembargador Federal Vice-Presidente do TRF/2ª Região e Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).

 

publicado em: Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, Nº 68, março de 1996 (págs. 20 a 23)