Do Periculum in Mora Inverso (Reverso)

Do Periculum in Mora Inverso (Reverso)

RESUMO: O presente artigo analisa o conceito do periculum in mora inverso (reverso), examinando, primeiramente, os requisitos clássicos para a concessão de Medidas Liminares, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris. Em seguida, aborda a relevância do fundamento do pedido e a possibilidade ampla de concessão ex officio da tutela cautelar em forma de liminar, ressaltando a identificação da relevância do fundamento do pedido com o fumus boni iuris e o periculum in mora. Posteriormente, passa ao estudo específico do periculum in mora inverso, analisando a relação deste conceito com a grave lesão à ordem pública. Por fim, aprecia a cautela e contracautela.

Palavras-chave: medidas liminares, periculum in mora, fumus boni iuris, periculum in mora reverso ou inverso, concessão ex officio da tutela cautelar, grave lesão à ordem pública, contracautela.

ABSTRACT: This article analyzes the concept of periculum in mora in reverse (reverse) by examining, first, the requirements for granting Injunctive relief measures, namely, live and in the periculum iuris facie case. Then discusses the relevance of the merits of the request and the wide possibility of granting ex officio of injunctive relief in the form of an injunction, emphasizing the importance of identifying the substance of the application with iuris facie case and periculum in arrears. Subsequently, passes the specific study of periculum in live opposite, analyzing the relationship of this concept with the serious injury to the public order. Finally, appreciate the caution and contracautela.

Keywords: measures injunctions periculum in mora, iuris facie case, periculum lives in reverse or inverse, granting ex officio of injunctive relief, severe injury to the public order, contracautela.

  1. INTRODUÇÃO

Ao registrar, de forma inédita, na literatura jurídico-brasileira, – quando da ocasião do lançamento da 1ª edição da nossa obra “Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares em Mandado de Segurança, Ação Cautelar, Ação Civil Pública e Ação Popular”, Ed. Forense Universitária/RJ, 1993, p. 106 -, a expressão periculum in mora inverso (reverso), não poderíamos imaginar, para nossa grata satisfação, como pesquisadores da Ciência Processual, que a mesma não somente viesse a se tornar, com o passar dos anos, uma designação técnica consagrada pela academia nacional, mas, particularmente, objeto das mais variadas e amplas citações jurisprudenciais e doutrinárias em todo o País.

A idéia original, concebida há mais 20 anos, – numa época em que existiam poucos estudos mais aprofundados sobre o tema -, era de forjar, por imperiosa necessidade, uma concepção conceitual, com elevado rigor técnico, que traduzisse, com a almejada precisão, uma designação genérica a abranger as mais variadas (e diferentes) designações específicas (existentes à época) que buscavam nominar, naquele momento histórico de desenvolvimento do estudo da disciplina processual, o inconteste fenômeno dos efeitos inversos (ou reversos) do eventual deferimento das medidas liminares em Mandado de Segurança (Art. 1º da Lei nº 191 de 1936, Art. 1º da Lei nº 1.533 de 1951, Art. 1º da Lei nº 12.016 de 2009), Ação Popular (Art. 5º, § 4º da Lei nº 4.717 de 1965 com a redação ampliada pela Lei nº 6.513, de 1977)  e na Ação Civil Pública (Art. 12 da Lei nº 7.347 de 1985) ou das denominadas antecipações in limine (art. 804 do CPC de 1973) nas Ações Cautelares.

Ainda que reste evidente que tal efeito também se manifeste no eventual deferimento de outras medidas liminares (em ações específicas), com idêntica previsão cautelar implícita, é de se registrar, por dever de lealdade, que nossa análise originária foi conduzida exclusivamente sobre o comportamento restritivo das medidas liminares nas mencionadas ações, o que, entretanto, em necessário reforço ao já afirmado, não exclui a possibilidade de se conceder a necessária extensão conclusiva a todas as demais ações congêneres, inclusive ao posterior advento, em 1994 (Lei nº 8.952, de 13/12/94), do instituto jurídico-processual da Tutela Antecipada.

 

  1. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

Muito embora, nem sempre, na prática cotidiana, a decisão final pela concessão de medidas liminares implique na plena e total observância, por parte do julgador, de específicos limites existentes para a prolação final do decisum, – ou seja, os requisitos tradicionais do periculum in mora[2]  e do fumus boni iuris[3] -, é cediço concluir que a legislação autorizadora do provimento liminar[4],[5], em nenhuma hipótese, permite o excepcional[6] deferimento do instituto sem a devida comprovação de seus pessupostos vinculantes positivos, além do seu requisito negativo implícito.

Em outras palavras, a existência efetiva da relevância dos motivos alegados pelo impetrante (no caso de mandado de segurança) ou pelo requerente (no caso de medida cautelar) deve ser sempre constatada em perfeita consonância com a efetiva presença do condicionante inafastável da não-produção do denominado periculum in mora inverso (a con­cretização de grave risco de ocorrência de dano irreparável, ou de difícil reparação, contra o impetrado ou requerido, como conseqüência direta da própria concessão da medida liminar deferida ao impetrante ou ao requerente).

Uma vez que o deferimento da medida liminar possui caráter meramente preservatório (de exclusivo objetivo de garantia da inteireza da sentença), cuja reconhecida função social é exatamente fazer cessar, em caráter temporário, o ato impugnado, até que – em face da indiscutibilidade do direito invocado e comprovado – possa o magistrado decidir, sem incorrer em error in judicando, não pode, em nenhuma hipótese, por efeito, a concessão da medida pretendida produzir o que, há muito, passou-se a denominar grave lesão à ordem pública, compreendendo nesse conceito a chamada ordem administrativa em geral, ou seja, o normal andamento da execução do serviço público, o regular prosseguimento das obras públicas e o devido exercício das funções da administração pelas autoridades constituídas (TFR, suspensão da segurança no 4405-SP, DJU 7.12.79, p. 9.221).

Em se tratando especificamente de medidas cautelares, de procedimento sumário, operacionalizadas através de ação autônoma e de processo próprio, – mas com as características particulares da provisoriedade, instrumentabilidade e assessorabilidade (art. 796 do CPC/73 – art. 294, Parágrafo Único do CPC/15) –, a concessão da medida liminar (na qualidade de simples antecipação da medida cautelar), além de necessitar da efetiva comprovação da presença dos requisitos indispensáveis do periculum in mora, do fumus boni iuris (requisitos positivos) e da não-produção do denominado periculum in mora inverso (requisito negativo), incluindo o anterior conceito restritivo da “grave lesão à ordem pública”, encontra-se irremediavelmente condicionada à observância adicional da especial restrição imposta pelo art. 804 c/c art. 797, ambos do CPC/73, (art. 300,§1º e 2º do CPC/15) que só permite o deferimento da antecipação cautelar (em forma de liminar), à guisa de sua própria excepcionalidade, nas comprovadas situações em que a citação do requerido possa vir a tornar a medida ineficaz, caso em que poderá o magistrado (e, nos casos de o requerido ser parte integrante da Fazenda Pública, deverá obrigatoriamente) determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória, objetivando garantir o ressarcimento dos eventuais danos que o requerido possa vir a sofrer com o futuro julgamento pela improcedência do pedido cautelar definitivo (medida cautelar típica ou atípica).

Portanto, a concessão de liminar, tanto em mandado de segurança, como na qualidade de antecipação da tutela cautelar (as denominadas antecipações in limine), é medida de absoluta excepcionalidade e, por conseqüência, nítida vinculação à efetiva presença de todos os pressupostos indispensáveis – o que inclui, além dos requisitos tradicionais do periculum in mora e do fumus boni iuris, – incluindo a concreta e indiscutível relevância dos motivos alegados -, em combi­nação com a não-produção do denominado periculum in mora inverso (incluindo neste conceito a não-produção da chamada “grave lesão à ordem pública”), além do requisito específico para a concessão de antecipações cautelares em forma de liminar prevista no art. 804 do CPC/73 (art. 804 do CPC/15) –, sendo certo que, neste diapasão analítico, a mesma jamais pode ser deferida – ainda que mediante caução – quando ausentes quaisquer dos requisitos apontados, que se encontram expressos ou implícitos na atual legislação constitucional e infraconstitucional em vigor, independente da vontade, imposição de ordem moral, senso de justiça ou qualquer outro condicionante subjetivo que possa estar adstrito ao magistrado no momento de seu julgamento[7],[8].

2.1. Do Periculum In Mora

Sem a menor sombra de dúvida, o periculum in mora[9] constitui-se no primeiro e mais importante dos requisitos indispensáveis para a concessão de medidas liminares em mandado de segurança ou como antecipação de cautela, no caso de medida cautelar em ação com idêntica designação.

“(…) Indeterminado o perigo na demora não há como subsistir decisão concessiva de liminar” (ac. 3a T/TFR – 2a R.: A.I. 90.02.24586 – RJ (p/m), rel. des. Arnaldo Lima, RTRF 2a Região no 1).

“Tendo-se como não configurado o pressuposto de existência de grave dano de incerta reparação, embora possam ser relevantes os fundamentos que dão base à ação, é de negar a medida cautelar” (ac. SP/STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade 33-1/DF (u), rel. min. Aldir Passarinho, Adcoas BJA t (28.2.90), 126.439, p. 86).

O periculum in mora é, neste contexto, sobremaneira, a condição necessária – porém não suficiente – para o eventual deferimento da medida liminar vindicada ou mesmo para a concessão ex officio, operada através do denominado Poder Cautelar Genérico, inerente à própria função do magistrado, na qualidade de representante do Estado-Juiz.

Para a obtenção da medida liminar e, conseqüentemente, da tutela cautelar implícita, portanto, a parte requerente obrigatoriamente deverá de­monstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela (Liebman, 1968, p. 92). E isto somente pode ocorrer, conforme leciona Calvosa (1960, p. 66), quando haja efetivamente o risco de perecimento, destruição, desvio, deterio­ração ou qualquer tipo de alteração no estado das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficiente atuação do provimento final de mérito.

“Dois são os requisitos indispensáveis para a concessão da liminar em mandado de segurança, previstos no inc. 1o, do art. 7o, da Lei no 1.531/51: 1) a relevância do fundamento (fumus boni iuris); 2) e perigo de um prejuízo, do ato impugnado poder resultar a ineficácia da medida caso seja deferida a segurança (periculum in mora). Concorrendo ambos, o juiz, em decisão fundamentada, concederá a liminar. Isto significa que, na falta de qualquer um dos requisitos, a providência liminar deve ser negada.

O professor e magistrado federal Reis Friede, lecionando sobre exame do periculum in mora que autoriza a concessão das liminares em geral, inclusive o mandado de segurança, ensina com precisão:

“Para a obtenção da medida liminar e conseqüentemente da tutela cautelar implícita, portanto, a parte requerente obrigatoriamente deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela. E isto somente pode ocorrer, conforme leciona Carlos Calvosa (in Sequestro Giudiziario, Novissimo Digesto Italiano, vol. XVII, p. 66), quando haja efetivamente o risco do perecimento e destruição, desvio, deterioração ou qualquer tipo de alteração no estado das pessoas, bens ou provas necessárias para a perfeita e eficiente atuação do provimento final de mérito” (in Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares em Mandado de Segurança, Ação Cautelar, Ação Civil Pública e Ação Popular, 2a  ed., Forense Universitária, 1993, p. 97).

No caso, sem muito esforço percebe-se ausência da probabilidade do dano irreparável ou de difícil reparação para o deferimento da liminar” (TJMS, no julg. do MS 38438-9, DJ 8.8.94, p. 3.847, rel. des. Helvécio Chaves Martins).

A redação conceitual do instituto, como um dos pressupostos fundamentais para o deferimento da medida liminar – ou seja, fundado receio da existência de um dano jurídico (e não propriamente “fundado receio de da­no ao direito de uma das partes”, como disciplina o art. 798 do CPC/73 (art. 297 do CPC/15), considerando que, enquanto não acontecer o julgamento do mérito da chamada “questão de fundo”, com a solução da lide, não se pode, ainda, falar em efetivo direito da parte que, eventualmente, pode até não ser reconhecido em decisão terminativa (sentença)) de difícil ou impossível reparação[10] durante o curso da ação que contém o pedido meritório –, refere-se sempre ao interesse processual (e jamais material ou meritório) presente na busca permanente da obtenção de uma real garantia quanto à própria efetividade da solução final (prestação das tutelas jurisdicionais cognitiva e executiva) a ser ditada pelo Poder Judiciário, inspirado, em última análise, no que Sidou (1983, p. 255) entendeu por bem denominar “instituto cardeal de assegurar matéria à sentença a ser editada”.

“A medida liminar não tem por objeto o mérito da causa, mas a garantia da eficácia do julgado caso favorável ao impetrante. (…)” (ac. S. Plen./STF, MS 20900-3/DF (ag. reg.) rel. min. Rafael Mayer. JB no 163, Ed. Juruá, p. 90). (grifos nossos)

 

“Para a concessão de medida cautelar há necessidade de se demonstrar, initio litis, a ocorrência dos requisitos essenciais que configurem o temor de dano jurídico iminente e o interesse na preservação da situação de fato, enquanto não advém a solução de mérito, o que corresponde ao fumus boni iuris (…)” (ac. unân. 6.458 da 2a Câm. do TJPR de 16.8.89, no agr. 298, rel. des. Negi Calixto, Adcoas, 1989, no 126.185) (grifos nossos).

 

“Processual civil. Liminar deferida, inaudita altera pars, em ação cautelar, rea­justando aposentadoria previdenciária em 147,06%. Ilegalidade. Segurança concedida para atribuição de efeito suspensivo a agravo de instrumento. A liminar, na hipótese, é contra legem, afrontando os arts. 797, 798 e 804 do CPC, posto que a lesão admite reparação futura, específica e plena, e o devedor é solvente. O caráter alimentar dos proventos não justifica aumento de aposentadoria através de liminares. Mandado de segurança deferido para atribuição de efeito suspensivo a agravo aviado contra a liminar” (ac. TRF da 1a  R., MS 91.01.15810-4/MG (u), rel. juiz Hércules Quasímodo, DJ 13.4.92, Seção II, p. 9.098).

 

A apreciação da efetiva presença do periculum in mora é realizada, como ensina Liebman (apud Castro Villar, 1971, p. 62), através de apenas um único julgamento valorativo denominado probabilidade sobre possibilidade do dano ao provável direito pedido em via principal. Por efeito, o dano deve ser aferido sempre pelo juízo de probabilidade e jamais pelo simples e genérico juízo amplo de possibilidade[11].

O denominado receio de dano há, pois, que ser objetivamente fundado, calculado, de forma a mais precisa possível, pelo exame das causas já postas em evidência, capazes de realizar ou operar o efeito indesejado que deve ser, por conseqüência, afastado. A comprovação de seu fundamento, não obstante não permitir, por sua própria natureza, a certeza, deve permitir, no mínimo, a plausibilidade (justificação), sem o que o juízo restritivo de probabilidade acabaria, no exercício da prática, transmutando-se no genérico e amplo juízo de possibilidade.

“Ação direta de inconstitucionalidade. Pedágio. Rodovias federais. Medida liminar. Pedágio destinado à conservação das rodovias federais. Pedido de suspensão liminar. Ausência de periculum in mora visto que não irreversível o desembolso” (A. Din. no 24-1-SP – Medida Liminar – rel. min. Francisco Rezek. Plenário, decisão unânime, in DJU, de 9.6.89, p. 10.095).

A avaliação da plausibilidade para a aferição do próprio juízo de probabilidade na apreciação da presença ou não do requisito em questão, não ensejando a certeza (prova irrefutável), evidentemente permite ao magistrado uma determinada margem de discricionariedade, mas jamais verdadeiro arbítrio que se constituiria através da utilização do referido juízo amplo da possibilidade de dano que, assim, estaria apenas subjetivamente fundado, calculado de uma forma absolutamente imprecisa[12]. Por outro lado, como adverte Reis, J.A. (1985, p. 26), não faria sentido que o juiz, para efeito de certificação do direito à cautela, houvesse de realizar um exame tão longo e tão refletido como o que efetua no processo principal. A proceder de tal forma, o processo cautelar perderia sua razão de ser e mais valeria à parte esperar pela decisão definitiva.

A plausibilidadecerteza que se exige no processo definitivo (Theodoro Jr., 1976, p. 78).

De qualquer maneira, “a decisão deve ser objetiva”, isto é, “deve atender aos fatos provados, dos quais resulte aquela plausibilidade” (Lopes da Costa, ob. cit., p. 45).

É ponto tranqüilo na doutrina, por outro lado, que o risco de dano deve corresponder sempre a fatos que venham desequilibrar efetivamente uma situação preestabelecida entre as partes, de modo que o perigo preexistente ou coexistente com o nascimento da pretensão realmente justifique a tutela cautelar, em forma de medida liminar[13].

“A ineficácia da sentença que defere o mandado de segurança não ocorre apenas  quando o dano decorrente do ato impugnado seja irreparável. Para que se possa afirmar tal ineficácia, basta que a sentença que defere o mandado de segurança não tenha a aptidão de, ela própria, corrigir a ilegalidade de modo útil, vale dizer, determinando desde logo a reparação do dano” (Mandado de Segurança em Matéria Tributária, 4ª ed., São Paulo, Dialética, 2000, p. 114).

 

Como bem lembra Coniglio (1976, p. 79), a insolvência iminente que justifica um arresto não é a mesma que preexistia e era conhecida do credor ao tempo da constituição da dívida. O perigo de se tornar inexeqüível o crédito deve surgir após sua criação, como fato novo, que agrave as condições econômicas do devedor.

Nessa mesma ordem de idéias, Pontes de Miranda (2000, p. 312) reafirma que as medidas cautelares supõem “superveniência dos fatos e necessidade de se afastar o óbice da antecedência ou mesmo da coexistência do perigo de dano”.

Acertada, pois, é a conclusão de SILVA (1974, p. 70-71), segundo a qual “o perigo de perda do interesse, ou de graves danos posteriores ao nascimento do próprio direito, ou deve corresponder, pelo menos, a um agravamento da situação perigosa preexistente, ou, finalmente, sendo anterior à constituição da pretensão, era de tal natureza que o pretendente à segurança não poderia razoavelmente conhecer”.

2.2. Do Fumus Boni Iuris

Logo em seguida ao exame da indispensável presença do requisito fundamental do periculum in mora, a comprovação da efetiva existência do pressuposto do fumus boni iuris faz-se mister para a conclusão final da primeira fase do exame de viabilidade da medida liminar (em mandado de segurança, habeas corpus, ação popular, ação civil pública, dentre outras, ou como antecipação de tutela na ação cautelar) vindicada ou derivada do Poder Cautelar Genérico.

“Conforme estabelece o nosso sistema jurídico, na ação cautelar para a concessão de liminar não basta, tão-somente, a afirmação de sua necessidade formulada pelo requerente, a qual, mais das vezes, constitui uma opinião puramente subjetiva, mas, principalmente, da demonstração do requerente, da existência dos requisitos específicos da tutela cautelar, para que o juiz possa realizar a sua indispensável avalia­ção e se convencer ou não da necessidade de conceder a liminar requerida” (ac. unân. 1.105/88 da 1a  Câm. do TJAL no agr. 5.618, rel. des. Paulo da Rocha Mendes; DJAL, de 1.9.89; Adcoas 1990, no 128.860) (grifos nossos).

 

“Em temas de cautelar, não demonstrada satisfatoriamente a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, escorreito o decisum de primeiro grau que dá pela sua improcedência” (ac. unân. da 1a T. do TJMS, de 1.8.89, na apel. 263/89, rel. des. Milton Malulei).

 

Segundo o pensamento de Calamandrei (1945), que já tivemos a oportunidade de expor neste trabalho, o objetivo último da providência cautelar, ínsito na medida liminar (seja nas ações de rito especial que a provêem ou na ação, de rito especial sumário, cautelar), é exatamente o de antecipar os efei­tos da providência definitiva, com o propósito derradeiro de prevenir o dano que, em última instância, poderá advir com a demora natural da solução final do litígio ou até mesmo em decorrência de má-fé de uma das partes.

Dado a própria urgência da medida preventiva, evidentemente não é possível ao julgador o exame pleno do direito material invocado pelo interessado (mesmo porque isto é objetivo do julgamento de mérito na ação principal e não do procedimento liminar), restando, apenas, uma rápida avaliação quanto a uma “provável (não simplesmente possível) existência de um direito” – a ser verificado pelo juízo próprio de plausibilidade –, que, em última análise, será oportunamente tutelado no momento da apreciação do pedido meritório principal, ou seja, quando do julgamento da segurança no mandamus, da sentença no habeas corpus na ação popular e na ação civil pública, entre outras ações que admitem liminar, ou, ainda, no julgamento do processo principal no caso da ação cautelar.

É exatamente isto, por efeito, que constitui o denominado fumus boni iuris, ou seja, “o juízo de probabilidade e verossimilhança do direito cautelar a ser acertado” (Castro Villar, 1971, p. 59).

Fiel a seu entendimento de que a cautela é medida antecipatória da eficácia do provimento definitivo, ensina Calamandrei (apud Castro Villar, ob. cit., ps. 59-60) que a declaração de certeza de existência do direito é função do processo principal: “para a providência cautelar basta que, segundo um cálculo de probabilidades, possa-se prever que a providência principal declarará o direito em sentido favorável àquele que solicita a medida cautelar”.

Mas este não é, contudo, o único entendimento aceito pela moderna doutrina a respeito do tema. Segundo o pensamento de vários autores que seguem os ensinamentos de Carnelutti (1958, p. 356), não se deve ver na tutela cautelar qualquer tipo de acertamento da lide, nem mesmo provisório, mas, sim, “uma verdadeira tutela ao processo”, a fim de assegurar-lhe unicamente eficácia e utilidade práticas ou, em outras palavras, uma tutela específica que busca apenas e tão-somente “evitar, no limite do possível, qualquer alteração no equilíbrio inicial das partes, que possa resultar da duração do processo” (Carnelutti, ob. cit., p. 356).

Comungamos, no entanto, do ponto de vista de que a essência da verdade sobre tão complexa questão não esteja, data maxima venia, definitivamente firmada, de forma irredutível, nas posições extremadas de ambas as doutrinas sobre a matéria em epígrafe. Entendemos possuir a medida liminar, conforme anteriormente nos referimos, uma natureza jurídica tipicamente administrativo-cautelar, com conteúdo de julgamento discricionário, fundado na prudente valoração do magistrado (e não no simples arbítrio) em torno da oportunidade e da conveniência da decretação da medida, e com nítido objetivo de provisão cautelar, por excelência, garantidora, em última análise, da efetividade da sentença – sem almejar, por outro lado, tocar diretamente no seio do conflito, ainda que o faça, de forma limitada e por vias transversas –, em flagrante caráter excepcional, como antecipação parcial e provisória da própria decisão meritória (e, por conseqüência, não se constitui numa simples “tutela do processo”, desprovida de qualquer essência mais abrangente, como doutrina Carnelutti), mas que, ao mesmo tempo, e, em nenhuma hipótese, pode ser confundida, em sua plenitude, com o mérito do pedido principal (como, em parte, defende Calamandrei), por corresponder exatamente a um conteúdo específico e particular, inerente à própria natureza da medida liminar, de forma ímpar e, portanto, dotada do atributo de exclusividade.

O fumus boni iuris consiste na probabilidade de existência do direito invocado pelo autor da ação cautelar. Direito a ser examinado aprofundadamente em termos de certeza, apenas no processo principal já existente, ou então a ser instaurado. A existência do direito acautelado é, no processo cautelar, aferida em termos de probabilidade e, por isso, seu exame é menos aprofundado, superficial mesmo – sumaria cognitio” (do ac. unân. da 15a  Câm. do TJSP, de 7.6.89, na apel. 144.007-2, rel. des. Ruy Camilo; RJTJSP 121/104) (grifos nossos).

 

“A existência do direito acautelado é, no processo cautelar, aferida em termos de probabilidade e por isso seu exame é menos aprofundado, superficial mesmo – sumaria cognitio. Sobre o insucesso da ação principal, diga-se, em tese, que o Código admite, expressamente, a possibilidade de que alguém obtenha uma providência cautelar e, no entanto, venha depois a sucumbir no processo principal. Que mostra isso? Mostra exatamente que a concessão da providência cautelar não está condicionada à demonstração plena da existência do direito alegado pela parte. Pode acontecer que o juiz, diante dos elementos que lhe foram trazidos, suponha provável a existência desse direito, e, no entanto, mais tarde, através de investigação aprofundada que vai fazer sobre a matéria, chegue à convicção de que na realidade o suposto direito não existia. Agora, é evidente que pelo menos tem de haver elementos capazes, prima facie, de tornar razoável, aos olhos do juiz, a suposição da existência do direito – o fumus boni iuris” (ac. da 18a Câm. do TJSP, de 16.3.87, nos embs. 89.820-2, rel. des. Benini Cabral; Adcoas, 1987, no 115.982) (grifos nossos).

 

É exatamente sob essa ótica que o requisito do fumus boni iuris possui seu destaque, criando o verdadeiro liame subjetivo que associa o mérito do pedido principal (mérito primário) ao mérito da providência cautelar (mérito secundário), cuja absoluta coincidência – em casos flagran­temente excepcionais – pode vir, até mesmo (em situações limítrofes), a dar origem às chamadas medidas cautelares satisfativas[14].

O fumus boni iuris – correspondendo exatamente a um juízo especí­fico de exame de probabilidade de efetiva existência do direito material reclamado (e não simplesmente, como deseja Campos (1974, p. 132), “simples verificação de que a parte realmente dispõe do direito de ação” (que, em essência, se constitui numa garantia constitucional que nenhuma norma infraconstitucional poderia, a priori, restringir)) –, ao lado do periculum in mora, se constitui, portanto, no próprio e específico conteúdo de fundo (coloquial e convencionalmente chamado de “meritório“) da providência cautelar (e da ação cautelar, em especial[15]), não podendo ser entendido, em nenhuma hipótese, apenas como simples condição específica da ação instrumental autônoma cautelar ou de seu substrato liminar, salvo quando o juízo valorativo dirige-se única e exclusivamente para os requisitos de concessão, e não para o seu conteúdo.[16],[17]

“Tratando-se de medida cautelar, deverá ser a pretensão objetivamente razoável, dependendo da presença dos pressupostos especiais de periculum in mora e fumus boni iuris, sem o que faltará interesse para agir, impondo-se a extinção do processo por carência de postulação” (ac. unân. da 1a Câm. do 2o TACivSP, de 1.6.88, na apel. 221.433-4, rel. juiz Quaglia Barbosa; JTACivSP 11/382) (grifos nossos).

 

“…além das condições gerais, comuns a todas as ações – legitimidade de parte, possibilidade jurídica do pedido e interesse processual –, as medidas cautelares devem ter duas outras condições especiais, o fumus boni iuris situado no campo da possibilidade jurídica e o periculum in mora situado no campo do interesse processual. (…) considerados o periculum in mora e o fumus boni iuris como condições especiais de admissibilidade da ação cautelar, ou como o próprio mérito desta, o que mais interessa é que não será tutela jurisdicional cautelar prestada, sem que tais requisitos estejam presentes” (do ac. unân. da 14a Câm. do TJSP, de 29.12.86, na apel. 112.879-2, rel. des. Marcus Vinicius; RJTJSP 106/175) (grifos nossos).

 

2.3. Relevância do Fundamento do Pedido e Possibilidade Ampla de Concessão Ex Officio da Tutela Cautelar em Forma de Liminar

O direito positivo vigente explicita, de forma peremptória, o duplo fundamento da providência cautelar e, especificamente, os requisitos básicos da suspensão liminar do ato impugnado na ação mandamental, a saber: a) a relevância do fundamento do pedido ou a relevância dos motivos alegados (expressões sinônimas) e b) a irreparabilidade (ou, no mínimo, a extrema dificuldade de reparabilidade) futura do eventual dano produzido pelo ato impugnado, caso, mais tarde, fosse deferida a ordem (no julgamento da segurança vindicada), que seria, neste caso, totalmente inócua (porque extemporânea), ineficaz e inidônea para restabelecer o status quo ante (“Ao despachar a inicial, o juiz ordenará que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.” – Lei no 12.016, de 07.08.2009, art. 7o, inc. III).

No mesmo sentido, as leis anteriores de 1936 e de 1939 punham em relevo as condições em que seria concedida a liminar: “quando se evidenciar desde logo a relevância do fundamento do pedido, decorrendo do ato impugnado lesão grave irreparável do direito do impetrante, poderá o juiz, a requerimento do mesmo impetrante, mandar preliminarmente sobrestar ou suspender o ato aludido” (Lei no 191, de 16.1.36, arts. 8º, 9º); “quando se evidenciar a relevância do fundamento do pedido e puder do ato impugnado resultar lesão grave ou irreparável do direito do requerente, o juiz mandará, desde logo, suspender o ato” (Lei no 1.608, de 18.9.39, art. 324, § 2º , que instituiu o CPC) (Cretella Jr., 1980, p. 189)[18] (grifos nossos).

A Lei no 1.533, de 31 de dezembro de 1951, entretanto, afastou quaisquer dúvidas a respeito, quanto à possibilidade ampla de o magistrado proceder ex officio na prestação da tutela cautelar, em forma de liminar, ao afirmar simplesmente que, “ao despachar a inicial, o juiz ordenará que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida” (art. 7o, inc. II). A nova Lei no 12.016, igualmente, em seu art. 7o, inc. III, reforçou a mencionada tese jurídica.

É o magistrado, portanto, quem irá, em última análise, valorar o fundamento do pedido – como bem lembra Cretella Jr. (ob. cit., p. 190) – ao apreciar o caso, em concreto, e julgar se o sobrestamento do ato impugnado é indispensável para que o deferimento extemporâneo da medida não se torne inócuo, ou ineficaz. A liminar não tem, portanto, de ser, necessariamente, objeto do pedido. Decorre da própria natureza do ato a ser desfeito. E quem decide isso é unicamente o juiz, sponte sua, dispensando a anterior necessidade inafastável de provocação pelo impetrante no mandamus.

O impetrante pode, como leciona Cretella Jr., muitas vezes, nem atinar com a necessidade da liminar. O impetrante dá os fatos, assinala, ao mesmo tempo, a natureza lesiva do ato impugnado. Prova, documentalmente, o alegado. O juiz decidirá, em última análise, se o socorro é urgentíssimo ou apenas urgente[19].

Não tem razão, portanto, Santos (1973, p. 158), quando diz que “a suspensão liminar do ato depende de requerimento da parte a ser formulado com a inicial, ou em qualquer fase do processo”.

Muito pelo contrário, a razão está, certamente, com a doutrina de Nunes (1956, p. 348), quando escreve que “a suspensão liminar está facultada ao juiz para que não se frustre o direito reclamado, quando bem fundado o pedido, considerando ser esta uma apreciação em que o juiz terá que se mover necessariamente com certa liberdade.[20] Se for motivo de razoável receio que o mandado a ser ulteriormente concedido já se encontre irreparavelmente comprometido quanto ao direito reclamado – como no caso em que se desse posse ao funcionário nomeado, com preterição do impetrante –, é fato que a eventual irreparabilidade, ainda que relativa (porque menos atingido o impetrante do que o erário público que teria que suportar o ônus do pagamento dos funcionários) já seria razão suficiente para suspensão liminar”.

No mesmo sentido, Sidou (1969, p. 347) esclarece que o fundamento é de ordem subjetiva e não processual. Postule ou não o queixoso a suspensão do ato lesivo, o juiz diligenciará nesse sentido, sob pena de, não o fazendo, esbarrar em casos diante dos quais sua sentença não terá razão de ser. “Será um julgamento vazio”.

Por efeito conclusivo, a apreciação do fundamento relevante é facultas do magistrado, através de sua competência discricionária própria, que permite a livre apreciação de sua própria existência e, a partir daí, a sinér­gica operacionalização de um móvel capaz de – em conjunto com os de­mais requisitos indispensáveis ao deferimento da medida liminar – fazer cessar, em caráter imediato, o ato que se supõe lesivo, inclusive ex officio e, portanto, independentemente de qualquer provocação das partes interessadas, não deixando de ter em mente, por outro lado, os objetivos específicos da medida liminar, de natureza cautelar, que não se confundem, no seu conjunto, com a questão meritória central.

“(…) A cautelar visa à segurança e não ao reconhecimento do direito” (ac. unân. da 7a Câm. do TJRJ, de 21.5.85, na apel. 36.501, rel. des. Graccho Aurélio; RF 291/243).

 

“A medida liminar é provimento cautelar de segurança, quando sejam relevantes os fundamentos da impetração e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da ordem judicial, se concedida a final (art. 7o, inc. II). Para a concessão da liminar devem concorrer os dois requisitos legais, ou seja, a relevância dos motivos em que se assenta o pedido na inicial e a possibilidade da ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante, se vier a ser reconhecido na decisão de mérito. A medida liminar não é concedida como antecipação dos efeitos da sentença final; é procedimento acautelador do possível direito do impetrante, justificado pela iminência de dano irreversível de ordem patrimonial, funcional ou moral, se mantido o ato coator até a apreciação definitiva da causa. Por isso mesmo, não importa em prejulgamento; não afirma direitos; nem nega poderes à administração. Preserva apenas o impetrante de lesão irreparável, sustando provisoriamente os efeitos do ato impugnando” (Meirelles,1988).

 

2.3.1. Relevância do Fundamento do Pedido, Fumus Boni Iuris e Periculum in Mora

A doutrina majoritária tem entendido que os requisitos para a suspensão liminar do ato impugnado no mandamus, consoante o art. 7o, inc. III, da Lei no 12.016/09, verbis:

“Art. 7o Ao despachar a inicial o juiz ordenará:

III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.” (grifos nossos)

 

se identificam perfeitamente com os pressupostos genéricos para a concessão da medida liminar, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Como se depreende claramente da norma transcrita – art. 7o, inc. III, da Lei no 12.016/09 – a providência liminar visa a “paralisar a prática de ato lesivo até o pronunciamento definitivo do Poder Judiciário” (Temer, 1989, vol. 14/15, p. 76) ou “a incolumidade da sentença” (Sidou, 1980, nº 2, ps. 31-42) assegurando conseqüentemente “a possibilidade de satisfação a ser decla­rada em sentença, do direito do impetrante” (Nunes, 1956, p. 349) o que se constituiria visivelmente nos mesmos objetivos das medidas cautelares de modo geral (e, por efeito, seus requisitos seriam os mesmos).

“O problema do relacionamento da providência cautelar com o mandado de segurança não é propriamente de compatibilidade. Que esta existe, não resta a menor dúvida, haja vista a natureza essencialmente cautelar nas liminares pró­prias do mandado. A liminar aí funciona como autêntica cautela inibitória atípica, de enorme importância e extensão, como imperativo mesmo de caráter constitucional da segurança, inserida, como é, no capítulo dos direitos e garantias individuais. Pode-se afirmar, pois, sem exagero, que a medida cautelar encontra no mandado de segurança o reconhecimento mais importante de sua imprescindibilidade, já que, na maioria dos casos, só através dela deixará de frustrar-se o direito subjetivo que a Constituição ampara com a ação de segurança contra os atos ile­gais ou abusivos da autoridade pública” (Lima, 1986, vol. 42, p. 7).

Quanto ao fato de ter a medida liminar em mandado de segurança, pelas suas próprias características e finalidades, a mesma feição nítida de igual providência em ação cautelar – nominada ou inominada, com as vantagens e ônus decorrentes do próprio ato, praticamente, ninguém tem qualquer dúvida.

A questão coloca-se exatamente em saber se o requisito da “relevância do fundamento do pedido” corresponde ou não exatamente ao fumus boni iuris – ou, até mesmo, em parte, ao periculum in mora – em qualquer medida liminar, presente indistintamente nos writs constitucionais ou mesmo na ação cautelar, na qualidade de antecipadora de tutela cautelar.

Embora estejamos – possivelmente pela primeira vez neste trabalho – em posição francamente minoritária, entendemos pela doutrina segundo a qual a “relevância do fundamento do pedido[21] constitui-se em um terceiro e autônomo requisito para o deferimento da medida liminar, tanto no mandado de segurança (disposição legal expressa) como na ação popular, na ação civil pública e na ação cautelar, perfazendo – em conjunto com o quarto requisito (a não-produção do periculum in mora inverso) – a segunda fase do juízo próprio de admissibilidade da medida liminar.

2.4. Periculum in Mora Inverso

 

Durante a segunda fase do exame do juízo de admissibilidade da medida cautelar, em forma de liminar ou não – ao lado do requisito da “relevância do fundamento do pedido” e, necessariamente, após a comprovação dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris (relativos à primeira fase do exame do juízo de admissibilidade da medida) -, resta o imperativo e criterioso exame do requisito consubstanciado no denominado periculum in mora inverso ou, mais especificamente, na sua “não-produção“, consistente, exatamente, no afastamento, por seu turno, da eventual concretização de grave risco de ocorrência de dano irreparável (ou de difícil reparação) contra o réu (impetrado ou requerido), como conseqüência  direta da própria concessão da medida liminar eventualmente deferida ao autor (impetrante ou requerente).

 

“(…) considero, na verdade, que o periculum in mora existente no mandado de segurança não é uma via de mão única. O periculum in mora é uma via de dupla mão de direção. Há que se atentar que, à medida que possa existir o perigo da demora ao direito do administrado, muitas vezes pode concorrer o periculum in mora ao direito de administração” (BENZOS, 1986, ps. 117-118).

 

“Na concessão de liminar, pela ampla discrição com que age, deve o juiz redobrar de cautelas sopesando maduramente a gravidade e a extensão do prejuízo, alegado, que será imposto aos requeridos (…)” (ac. unân., da 1ª Câm. do TJRS, de 26.2.85, no agr. 584.044.135, rel. des. ATHOS GUSMÃO CARNEIRO; RT 598/191).

 

Embora não se refira nominalmente ao periculum in mora inverso, sem a menor sombra de dúvida, salta aos olhos a competente afirmação assente com a doutrina – do ex-desembargador do TJRS e ministro aposentado do STJ, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, a respeito do tema e que traduz, com absoluta fidelidade, a essência deste quarto e não menos importante requisito, ainda que sem a expressa alusão ao seu nomen iuris.

 

“Vale colacionar no ensejo a norma do art. 401 do CPC de Portugal em que o juiz é aconselhado a, ocorrentes a plausibilidade do bom direito e o perigo na demora, conceder a liminar ‘salvo se o prejuízo resultante da providência exceder o dano que com ela se quer evitar’. Em suma, por vezes a concessão da liminar poderá ser mais danosa ao réu, do que a não-concessão ao autor. Portanto, tudo aconselha o magistrado prudentemente perquirir sobre o fumus boni iuris, sobre o periculum in mora e também sobre a proporcionalidade entre o dano invocado pelo impetrante e o dano que poderá sofrer o impetrado (ou, de modo geral, o réu em ações cautelares)” (CARNEIRO, mar./jun. 1992) (grifos nossos).

 

No mesmo sentido, relaciona LACERDA (1998, v. III), tratando do Poder Cautelar Geral e afirmando a prudência com que deverá agir o juiz, no que tange à observação do requisito do periculum in mora inverso: “as exigências contrastantes das partes com o interesse da administração da justiça, sempre ínsito nas providências cautelares”, devem ser sempre observadas bilateralmente, eis que se encontra diretamente em jogo “o bom nome e até a seriedade da justiça”.

De forma inclusive mais contundente, adverte também ARAGÃO (1990, v. 42) que “há certas liminares que trazem resultados piores que aqueles que visavam evitar”.

A não-produção do denominado periculum in mora inverso, necessa­riamente implícito no próprio bom senso do julgador, portanto, desponta inegavelmente como um pressuposto inafastável para a decisão final pela concessão da medida liminar, – a ser sempre e obrigatoriamente verificado, de forma compulsória -, uma vez que, em nenhuma hipótese, poderia ser entendido como um procedimento lícito a modificação de uma situação de fato perigosa para uma parte – mas tranqüila para outra – por uma nova que apenas invertesse a equação original, salvaguardando os interesses de uma das partes em detrimento da outra e ao elevado custo da imposição de gravames (até então inexistentes e por vezes até mesmo insuportáveis[22]).

 

“Ação cautelar. Liminar. Cassação, pois que o fumus boni iuris e o periculum in mora militam, no caso, em favor da parte contrária. Se o fumus boni iuris e o periculum in mora militam em favor do requerido, dá-se provimento ao agravo para cassar-se a liminar deferida em favor dos requerentes.” (ac. 2ª T./TRF -1ª R., A.I. 91.01.06748-6/MG (u)., rel. juiz HÉRCULES QUASÍMODO, DJ 13.4.92, Seção II, p. 9.112).

 

Por outro lado, a ausência de um estudo mais apurado sobre a efetiva presença dos principais requisitos autorizadores para o deferimento da medida liminar vindicada (relativo ao que entendemos por bem denominar primeira fase, ou seja, periculum in mora e fumus boni iuris), além de um juízo reflexivo mais abrangente quanto à relevância do fundamento do pedido (relativo à chamada segunda fase ou fase subseqüente da avaliação), pode ensejar, por parte do magistrado, uma indesejável análise superficial da questão, conduzindo-o a um eventual e leviano deferimento da medida (que sempre sustenta caráter de absoluta excepcionalidade, ou seja, em caso de dúvida, quanto à efetiva presença dos pressupostos, a não-concessão da medida liminar deve ser a regra) em virtual prejuízo do próprio instituto cautelar, com flagrante resultado de desprestígio à justiça, em termos gerais, e ao Poder Judiciário, em particular, podendo até mesmo vir a constituir-se em instrumento capaz de produzir uma excepcional e teórica situação analógica de periculum in mora inverso contra a, em princípio, intangível acepção maior do Estado-juiz[23].

“A concessão, indiscriminadamente transformada em verdadeira benesse, vem retirando a seriedade do denominado remédio heróico, enfraquecendo o writ como remedium iuris excepcional, em desprestígio da própria justiça enquanto instituição. E, não raras vezes, após a concessão da liminar, o mandado não é provido, mas o fato já se tornou irreversível e consumado. A concessão de liminar há, portanto, de ser precedida de criterioso estudo, só se concedendo em caso de iminente e irreparável lesão. A concessão de liminar há, portanto, de ser precedida de criterioso estudo, só se concedendo em caso de iminente e irreparável lesão. A concessão indiscriminada de medidas liminares poderá levar ao referendo de caprichos e procrastinações, às vezes irreversíveis, com desprestígio do próprio Poder Judiciário (…)” (OLIVEIRA, 1988, p. 194) (grifos nossos).

 

2.4.1. Periculum in Mora Inverso e Grave Lesão à Ordem Pública

Não obstante ser considerada tradicional a nomenclatura grave lesão à ordem pública, consagrada pela redação do art. 4º, da Lei nº 4.338/64, verbis:

 

“Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e economia pública, o presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, poderá suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar e da sentença; dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 10 (dez) dias, contados da publicação do ato” (grifos nossos).

 

É importante advertir que essa expressão não é absolutamente sinônima do termo periculum in mora inverso (na qualidade de pressuposto fundamental para a concessão da medida liminar), guardando, na verdade, em relação a este, uma íntima relação de espécie e gênero.

Por efeito, o requisito da não-produção do denominado periculum in mora inverso abrange, em sua plenitude, o chamado risco de grave lesão à ordem pública (incluindo, neste último, a ordem administrativa em geral[24]), sem, no entanto, esgotar o instituto, uma vez que, reconhecidamente, pode também existir a hipótese em que o gravame (ou prejuízo efetivo irreparável ou de difícil reparação) derivado do eventual deferimento da medida liminar (sobretudo como antecipação de tutela cautelar na ação própria), venha a atingir apenas um particular e, por conseqüência, um inte­resse eminentemente privado.

A conclusão, portanto, é no sentido de que o pressuposto genérico da não-produção do periculum in mora inverso (ou reverso) possui uma dimensão muito mais ampla que, necessariamente, transcende ao simples requisito, expresso em lei, da suspensão da medida liminar no mandamus, a exemplo de outras disposições normativas dotadas de nítida especificidade que, exatamente por esta razão, somente a qualificam como espécie do gênero maior.

 

2.4.2. Das Divergências Perceptivas sobre o Periculum in Mora Inverso

Não obstante a mencionada consagração da expressão “periculum in mora inverso”, é importante ressaltar que muitos equívocos e uma certa incompreensão do novel requisito ainda continuam a existir no seio da nossa comunidade acadêmica.

Muito provavelmente, a confusão mais comum é exatamente a de não compreender que o periculum in mora inverso é precisamente a concepção reversa do mais importante pressuposto autorizativo para a concessão da tutela cautelar ou antecipatória, em forma de provimento liminar, ou seja, o “periculum in mora“.

Neste sentido, alguns articulistas tem apontado, em evidente equívoco, que o requisito negativo consubstanciado no periculum in mora inverso se traduz pela previsão original ínsita no art. 273, § 2º, do CPC/73) (art.300,§3ºdo CPC/15) (“Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”) (CAMPOS, 2008; CHAVES, 2012; LEME, 2013), ainda que curiosamente, alguns autores aparentam, em suas respectivas dissertações, compreender a natureza intrínseca do periculum in mora inverso na qualidade de verdadeiro contraponto ao requisito básico e fundamental do “periculum in mora“.

“(…) situação em que há risco para ambas as partes, devendo o magistrado, nos moldes dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aferir a potencialidade ou intensidade desses riscos para cada lado (…)” (LEME, 2013, p. 5)

Oportuno ressaltar que o instituto da Tutela Antecipada, de forma diversa da Tutela de Segurança Cautelar, possui, – além do requisito do periculum in mora e do fumus boni iuris (ainda que com uma roupagem diversa[25]) -, a necessária reversibilidade dos efeitos[26] do provimento antecipatório, ou, em outras palavras, o instituto  da tutela antecipada além de possuir o impedimento relativo[27] da não produção do denominado periculum in mora inverso, também possui, em adição, o impedimento absoluto[28] quanto à reversibilidade do provimento antecipatório, não se confundindo, portanto, o primeiro, – simples contraponto do requisito básico do periculum in mora -, com o segundo, requisito expresso e específico vocacionado para as hipóteses de tutela antecipada.

Em qualquer hipótese, a verdade é, acima de tudo, que o requisito negativo do periculum in mora inverso é anterior ao próprio advento do instituto da Tutela Antecipada (1994) e alude, genericamente, nas palavras de FERRAZ, ao simples fato de que “a liminar não deve ser concedida se o dano resultante do deferimento for superior ao que se deseja evitar” (FERRAZ, 1996, p. 143).

“Havendo dúvidas objetivas sobre a localização efetiva da área ocupada, objeto de reintegração de posse, mais aconselha que se mantenha o status atual, afastando-se a demolição pretendida até que se ultimem as provas na ação de retomada, evitando o estabelecimento de periculum in mora inverso com a medida drástica referida” (TJSC; AI 222992 SC 2011.022299-2; Relator: Gilberto Gomes de Oliveira Julgamento; 2ª Câmara;  30/01/2012)

“Restando ausente a demonstração, de plano, da prova inequívoca da verossimilhança da alegação, bem como presente o periculum in mora inverso, tendo em vista o caráter alimentar dos adicionais por serviços extraordinários devidos aos filiados ao Sindicato-réu, deve ser mantida a decisão que indeferiu o pedido de tutela antecipada.” (STJ; AgRg na AR 4076 PE 2008/0209876-0; Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura; 23/02/2011; 3ª Seção;  DJe 03/03/2011)

“(…) ‘O periculum in mora inverso e o princípio da proporcionalidade devem ser considerados, pois ‘há liminares que trazem resultados piores que aqueles que visam evitar’ (Egas Moniz de Aragão)’ (AI n. , Des. Newton Trisotto)”. (TJSC; AG 67784 SC 2009.006778-4; Relator: Luiz Cézar Medeiros; 3ª Cam.; 12/02/2010)

Neste prisma analítico, sintetizou bem a noção conceitual de periculum in mora inverso CARPENA quando preconiza, de forma resumida, que “periculum in mora inverso, nada mais é do que a verificação da possibilidade de deferimento da liminar causar mais dano à parte requerida do que visa evitar a requerente; (…) nenhum magistrado deferirá uma medida initio litis se averiguar que os efeitos de sua concessão poderá causar danos nefastos e deverás mais violentos do que visa evitar.”

Em necessário reforço, o já citado CARNEIRO (1992) relembra, com mérita propriedade que “por vezes a concessão de liminar poderá ser mais gravosa ao réu que, do que a não concessão ao autor. Portanto, tudo aconselha ao magistrado perquirir sobre o fumus boni juris e o periculum in mora e também sobre a proporcionalidade entre o dano invocado pelo impetrante e o dano que poderá sofrer o impetrado”.

Igualmente, DIAS (2005, p.55) reconhece, – inclusive citando este autor -, que “há setores na doutrina, contudo, que apontam para a necessidade de não gerar, a concessão, um efeito  mais gravoso que o que se pretende evitar com a providência cautelar“.

E, continua o mencionado autor, afirmando que “essa posição se impõe, porque, em princípio, o que se busca tutelar é a eficácia da decisão de mérito, e não os interesses materiais das partes.”

“O escopo último da tutela cautelar é garantir a higidez prática da decisão judicial meritória, sendo em última instância, mais uma garantia assecuratória da efetividade jurisdicional que, por assim dizer, um modo de deferimento sumário e parcial da pretensão da parte. Embora não haja expressa previsão legal acerca do tema, a doutrina tem colocado em evidência que há a necessidade de garantia do tratamento isonômico das partes também no processo civil” (DIAS, 2005, p. 55)

Em idêntico sentido, SCHAEFER MARTINS (2003, p. 77) pontua que:

“O princípio da igualdade integra o princípio do devido processo legal, pois preconiza pela igualdade formal perante o Juiz que torna concreta a norma legal e pela igualdade processual no interior do processo. Este princípio realiza-se com o tratamento paritário dos litigantes no processo.”

Prossegue DIAS (2005), ainda sobre o tema, que “se de fato é assim, não há como se pensar em uma tutela cautelar que acabe por produzir um efeito lesivo mais grave que aquilo que pretende evitar ou que simplesmente transfere de uma parte a outra o ônus conservativo decorrente da acautelamento da situação litigiosa. A situação de produção de efeito de maior gravidade do aquele que se pretende acautelar ou mera transferência constitui-se em inequívoca violação da isonomia das partes, sobretudo quando se leva em consideração que no âmbito cautelar não há espaço para a proteção dos direitos alegados pelas partes. Embora o fundamento constitucional seja evidente, não se deve deixar de considerar que o próprio sistema positivo estabeleceu meios de compensação dos riscos quando a decisão cautelar contiver risco de quebra da isonomia processual. Esses meios são desdobramentos do princípio da isonomia processual e que se convencionou chamar de procedimentos de contracautela.”

É, portanto, através do instituto da contracautela que é possível, pelo menos em tese, se estabelecer um mecanismo que se, por um lado, não afasta por completo o periculum in mora inverso na qualidade de requisito impeditivo para a concessão de providências cautelares ou antecipatórias, em forma de medida liminar, ao menos minimiza seus efeitos.

“Tais institutos autorizam que em determinadas hipóteses o juiz possa fixar um meio de garantia de não produção do risco, ou pelo menos, criar um meio de minimização do perigo por meio de uma salvaguarda de cunho patrimonial.” (DIAS, ob. cit.)

“Antecipando alguma vezes o resultado final do processo, a medida cautelar, ao mesmo tempo em que afasta o periculum in mora, pode trazer o risco de prejuízo para a parte que deve sofrer os efeitos dessa antecipação. […]  Em tais hipóteses, como observa Calamandrei, a caução funciona como cautela da cautela ou contracautela.” (MARQUES, 2000, p. 437)

Neste sentido, o já citado DIAS (2005) afirma também que “do mesmo modo, que está assente na mais moderna doutrina que não existe discricionariedade na oferta da proteção cautelar, quando verificar o juiz que a cautela ofertada induzir a situação mais grave que a originariamente reclamada, estará obrigado a exigir a prestação de caução ou outro meio adequado. Não se trata de um requisito genérico que deve ser avaliado pelo juiz no momento da concessão da tutela cautelar, mas a inversão do risco, gerando situação mais grave que a acautelanda demanda do juiz, com a finalidade de garantir a isonomia processual, a contracautela mais adequada. Admitir-se que possa o juiz determinar com a cautela ofertada situação mais grave ou apena mero deslocamento subjetivo do risco, importaria em reconhecer a insubsistência do princípio da isonomia processual e tanto quanto isso desconfiguraria o caráter conservativo das ações cautelares. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que as contracautelas típicas previstas no art. 804 do CPC/73 (art. 300,§1ºdo CPC/15) são institutos relacionados ao processo cautelar, não se estendendo a ações especiais como, por exemplo, o Mandado de Segurança.Assim, por via de exclusão, fixou que essas medidas são pertinentes no âmbito cautelar sempre que verificados os seus pressupostos. Ainda mais especificamente quanto ao âmbito cautelar, contudo, o Superior Tribunal de Justiça assumiu posição de que estando presente o efeito mais grave decorrente da concessão da proteção cautelar ou importando ela em mero deslocamento do risco é de se exigir a contracautela, não sendo, assim, mera faculdade judicial. Assim, a contracautela é vinculante ao juízo quando evidenciada a situação de inversão do periculum in mora.” (DIAS, ob. cit., p. 55/56)

“Tais institutos – as medida cautelares e as contracautelas – representam duas faces da mesma moeda; elas se complementam de tal sorte que a compreensão dos limites e alcance das medidas cautelares imbrica­se com a percepção das fronteiras e extensão das contracautelas”. (CAVALCANTE apud DIAS, p. 54)

 

2.4.3. Cautela e Contracautela

Muito embora as normas infraconstitucionais relativas às medidas cautelares, em termos gerais, e às medidas liminares, em termos particulares, disciplinem diversas sanções para os eventuais prejuízos provocados pelo deferimento da providência cautelar – desde que promovida de forma maliciosa ou por erro grosseiro pela parte vindicante –, nem sempre a indenização prevista na lei poderá alcançar a própria irreparabilidade de determinados danos importantes impostos ao requerido/impetrado (ou mesmo a terceiros) pela própria efetivação da medida.

“A concessão de liminar, inúmeras vezes, causa danos a terceiros, atingidos pelos efeitos da medida, o que empenha a obrigação de indenizar, se o impetrante agiu com culpa (A parte que, maliciosamente, ou por erro grosseiro, promover medida preventiva responderá também pelos prejuízos que causar) – CPC de 1939, art. 688, parágrafo único” (Cretella Jr., 1980, p. 193).

 

Nesses casos – ou ainda nas situações em que os eventuais prejuízos não são indenizáveis por ausência dos requisitos para tanto –, nem mesmo a chamada caução em garantia ou contracautela, prevista em vários dispositivos da legislação infraconstitucional, especialmente o art. 804 do CPC/73 (art. 300,§1º do CPC/15) e exigida ou não ao sabor do prudente arbítrio do juiz, pode ser indicada como efetiva solução ao problema que, por seu turno, somente poderá ser realmente evitado através da rigorosa observância do anteriormente mencionado requisito indispensável da não-produção do periculum in mora inverso.

 

“A contracautela não é conditio sine qua non do deferimento da medida liminar e sim providência destinada a evitar o periculum in mora resultante da concessão imediata da providência cautelar. Do contrário, acabariam neutralizados os efeitos das medidas liminares, ou se dificultaria demasiadamente sua concessão (…)” (Marques, 1976, p. 370) (grifos nossos).

 

É evidente, entretanto, que em certas situações a caução, ou contracautela exigida pelo julgador, perfaz-se em providência suficientemente eficaz para afirmar, em última análise, o difícil e almejado equilíbrio cautelar no processo em discussão, garantindo a plena viabilidade do mesmo, no sentido da efetividade final do decisum meritório objetivado; como também é verdade que, em certos casos, o deferimento da medida liminar a uma das partes não possui o condão de impor qualquer ônus excepcional à outra parte, mantendo o desequilíbrio original que se buscava corrigir com a concessão da medida.

Por todas essas razões, é importante entendermos que a própria diversidade das situações não permite uma espécie de “regra geral” que vincule, de forma absoluta, o deferimento da medida liminar à apresentação de uma garantia ou, por outro lado, que a produção de uma contracautela necessariamente obrigue o magistrado à concessão da medida liminar vindicada.[29],[30],[31]

“Caução fidejussória ou real é condição que fica a critério do magistrado que concede a liminar, já que o art. 804 do CPC encerra norma meramente facultativa e não imperativa” (ac. unân. 5.564 da 1a  Câm. do TJPR, de 10.3.87, no agr. 517/86, rel. des. Oto Luiz Sponholz; Adcoas, 1988, no 116.596) (grifos nossos).

 

“Pelo art. 804 do CPC, a prestação de caução é ato que fica a critério do juiz (…)” (ac. unân. da 1a Câm. do TJSC, de 8.11.88, no agr. 4.724, rel. des. Protásio Leal; Jurisp. Cat. 62/204) (grifos nossos).

 

“(…) O instituto da caução tem por finalidade evitar o risco de abusos nas medidas cautelares, cuja concessão pertence exclusivamente à discrição do juiz. Assim como a concessão de medida cautelar sem audiência da parte contrária é faculdade que a lei concede ao juiz, da mesma forma a exigência de caução, ou dispensa, para a respectiva concessão liminar, fica exclusivamente ao arbítrio do magistrado, sem que se possa ter como ofensiva ao direito do interessado uma ou outra solução escolhida pelo julgador. (…)

 

Desde que conscientizado da existência do bom direito em favor do autor e inexistindo risco de lesão grave e de difícil reparação, pode o juiz dispensar a caução, sem que sua decisão implique ofensa, ao direito da parte contrária” (do voto do juiz Ney Paolinelli, rel. do ac. unân. da 3a  Câm. do TAMG, de 25.11.86, no agr. 5.002; RJTAMG 29/73) (grifos nossos).

 

“A providência estabelecida no art. 804 do CPC, como contracautela eventual, representa mera faculdade atribuída ao julgador, a quem se reserva, no exame de cada caso concreto, prudência e discrição na avaliação da sua necessidade. O fato de o Código estabelecer a obrigação de indenizar por parte dos que sucumbirem nas medidas cautelares quando a execução destas possa causar prejuízo aos requeridos – art. 811, do CPC – não implica, necessariamente, o dever de o juiz sempre determinar a prestação de caução pelos respectivos requerentes” (ac. unân. da 4a Câm. do 1o TACivSP, de 28.5.86, no agr. 357/84, rel. juiz José Bedran; JTACivSP 99/161) (grifos nossos).

 

  1. CONCLUSÕES

A concessão da tutela de acautelamento, em forma de provimento liminar, tanto em mandado de segurança e nas demais ações que a admitem, como na qualidade de antecipação da tutela cautelar, é medida de absoluta excepcionalidade e vinculação à presença de todos os pressupostos indispensáveis; o que inclui, – além dos requisitos tradicionais do periculum in mora e do fumus boni iuris -, a rigorosa observância quanto a não-produção do denominado periculum in mora inverso (além do requisito específico para a concessão de antecipações cautelares em forma de liminar prevista no art. 804 do CPC), sendo certo que a mesma jamais pode ser deferida (ainda que mediante caução) quando ausentes quaisquer dos requisitos apontados, que se encontram expressos ou implícitos na atual legislação constitucional e infraconstitucional em vigor, independente da vontade, imposição de ordem moral, senso de justiça ou qualquer outro condicionante subjetivo que possa estar adstrito ao magistrado no momento de seu julgamento.

Outrossim, resta importante consignar que a apreciação dos pressupostos autorizadores do provimento cautelar é facultas do magistrado, através de sua competência discricionária própria, que permite a livre apreciação de sua própria existência e, a partir daí, a operacionalização de um móvel capaz de  fazer cessar, em caráter imediato, o ato que se supõe lesivo, inclusive ex officio e, portanto, independentemente de qualquer provocação das partes interessadas, não deixando de ter em mente, por outro lado, os objetivos específicos da medida liminar, de natureza cautelar, que não se confundem, no seu conjunto, com a questão meritória central.

Cumpre observar que o requisito genérico da não-produção do periculum in mora inverso (ou reverso), neste sentido, em necessário reforço argumentativo, possui uma dimensão muito mais ampla que necessariamente transcende ao simples requisito, expresso em lei, da suspensão da medida liminar no mandamus, a exemplo de outras disposições normativas dotadas de nítida especificidade que, exatamente por esta razão, somente a qualificam como espécie do gênero maior, o que importa concluir que a própria diversidade das situações não permite uma espécie de “regra geral” que vincule, de forma absoluta, o deferimento da medida liminar à apresentação de uma garantia ou, por outro lado, que a produção de uma contracautela necessariamente obrigue o magistrado à concessão da medida liminar vindicada, uma vez que não necessariamente tal possibilidade afaste, de forma derradeira, o obstáculo deste nóvel requisito negativo à concessão da medida acautelatória, em forma ou não de provimento liminar.

 

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[1] Desembargador Federal Vice-Presidente do TRF2 e ex-membro do Ministério Público, professor adjunto da Escola de Direito da UFRJ, professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), professor de Direito Constitucional da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) e ex-professor adjunto da UNIRIO, possuindo, entre outros títulos, o de mestre em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho (UGF) e mestre e doutor em Direito Público (UFRJ).

[2] O conceito técnico de periculum in mora pode ser traduzido pelo fundado receio da existência de um dano jurídico, de difícil ou impossível reparação, durante o curso da ação cautelar e, por extensão, da ação principal (no caso de ações cautelares típicas ou atípicas) ou durante o curso do mandado de segurança, e de outras ações que admitem o provimento liminar, aferido através do juízo próprio de probabilidade, com comprovada plausibilidade de existência de dano, justificado receio de lesão de direito e/ou existência de direito ameaçado – e nunca no genérico juízo de possibilidade (que, pela extrema amplitude, não permite a imposição do princípio da segurança e do controle mínimo dos acontecimentos).

[3] Fumus Boni Juris pode ser conceituado como a probabilidade plausível (e não mera e genérica possibilidade) de exercício presente ou futuro do direito de ação com provimento de mérito favorável, considerando que pequenas incertezas e eventuais imprecisões, a respeito do direito material do autor (requerente ou impetrante), não devem assumir a força de impedir-lhe o acesso à tutela cautelar.

 

 

“A tutela cautelar só é viável se a pretensão deduzida ou a ser deduzida no processo principal caracteriza-se como provável, não bastando que seja razoável e muito menos que seja simplesmente possível” (Aldo Magalhães; JTACivSP 99/267).

 

 

[4] Caráter administrativo do provimento liminar

De um modo geral, considera-se que o provimento liminar de conteúdo cautelar possui um inconteste caráter administrativo. De fato, embora caracterizado como providência determinada pelo órgão judicial – provimento com escopo de prevenção –  em muitos casos a medida é concedida independentemente da observância formal do princípio do contraditório. Assim o é tanto no mandado de segurança e nas demais ações que expressamente admitem a liminar, como também, de modo geral, nas medidas cautelares. Diante de certas situações de urgência, e para evitar o perecimento de direitos, a lei autoriza ao juiz a concessão de liminares, sem ouvir a parte contrária. Na concessão dessas medidas inaudita altera pars, ocorre, em grande medida, o que NERY JÚNIOR denomina “limitação imanente à bilateralidade da audiência no processo civil, e que se exterioriza, quando a natureza e finalidade do provimento jurisdicional almejado ensejarem a necessidade de concessão de medida liminar, inaudita altera pars, como é o caso do provimento cautelar, em forma ou não de liminares, em ação possessória, mandado de segurança, ação popular, ação coletiva (art. 81, parágrafo único, CDC) e ação civil pública” (NERY JÚNIOR, 1992, p. 133).

[5] Liminar como “mera prevenção do direito”

É importante salientar, por oportuno, que alguns autores – aparentemente confundindo o fato da inexistência de efetivo processo cautelar nos provimentos assecuratórios previstos, em forma de liminar, em algumas ações cognitivas (como, por exemplo, o habeas corpus, o mandado de segurança, a ação popular etc.), com a irrefutável natureza jurídica cautelar destes mesmos procedimentos – têm sugerido (confundindo, inclusive, os conceitos de processo e pro­cedimento) a sinérgica inexistência de nítido procedimento de feição cautelar (exte­riorizado por intermédio de medidas liminares) nos writs constitucionais, insinuando, de maneira visivelmente equivocada, que, nestes casos, os respectivos provimentos liminares, expres­samente previstos, se constituem em “meras prevenções do próprio direito”:

“A liminar no mandado de segurança, na ação popular, na declaração de inconstitucionalidade de lei, é mera prevenção do próprio direito, em nada se caracterizando com uma medida cautelar. Servem ao processo em que são proferidas, e não têm sequer procedimento cautelar, inseridas que estão no contexto da própria ação” (Castro Villar, 1988, p. 79).

[6] É importante registrar que o deferimento da medida liminar é sempre excepcional, até porque está umbilicalmente ligado à sinérgica demonstração quanto à efetiva presença de seus requisitos ensejadores, em decisão fundamentada pelo magistrado.

[7] Ônus probatório quanto aos requisitos da medida liminar

Deve ser assinalado – evitando qualquer dúvida a respeito – que o ônus da prova quanto à efetiva presença, no caso concreto, dos requisitos autorizadores da providência cautelar (em forma ou não de liminar) é de exclusiva responsabilidade da parte requerente.

Cabe à mesma, sob este prisma, portanto, a inequívoca e compulsória comprovação de que se encontram sempre presentes, na hipótese trazida à colação, todos os pressupostos que viabilizam o legítimo deferimento da medida pretendida, ou seja, os requisitos positivos (que devem sempre estar presentes): periculum in mora, fumus boni iuris (e relevância do fundamento jurídico do pedido (para quem entende se constituir o mesmo em pressuposto autônomo)) e, no caso particular de antecipação in limine de medida cautelar, a condição especial consubstanciada no art. 804 do CPC e o requisito negativo (que, ao contrário, deve sempre se encontrar ausente): não-produção do denominado periculum in mora inverso ou, em outras palavras, a grave lesão à ordem pública (incluindo, nesta classificação, a lesão à ordem administrativa etc.).

Não comprovado qualquer dos pressupostos permissivos da medida vindicada, deve o julgador proceder ao imediato indeferimento da mesma, considerando, sobretudo, o caráter excepcional que sempre reveste a concessão da segurança cautelar, exteriorizado ou não através da medida liminar. A regra, por efeito conclusivo, deve ser o indeferimento da providência cautelar, notadamente quando houver razoável dúvida quanto à prova (que deve ser relativamente insofismável) de seus requisitos autorizadores.

Esta é exatamente a razão segundo a qual é lícito ao juiz fundamentar sumariamente (“pela ausência de efetiva comprovação dos requisitos autorizados”) o pronunciamento judicial indeferitório da medida liminar, pois doutra forma ocorreria efetiva inversão do ônus probatório, ou seja – em lugar de a parte requerente ter de comprovar a presença de todos os requisitos autorizadores da medida liminar –, restaria ao juiz demonstrar, de forma inequívoca, a ausência de pelo menos um dos pressupostos condicionantes do deferimento da providência cautelar requerida.

[8] Deve ser consignado, por oportuno, que o constante deferimento de medidas liminares, em sinérgica afronta aos mandamentos legais restritivos do emprego do instituto (pressupostos de admissibilidade da proteção cautelar), tem contribuído, sobremaneira, para o desprestígio do Poder Judiciário, conforme amplo e constante noticiário crítico a respeito do tema, com destaque especial no caso da cassação do deputado Sergio Naya:

“Compreende-se que os advogados do deputado Sérgio Naya usem toda sorte de artifício – até desaparecer de sessões da Comissão de Justiça – para impedir ou adiar a cassação de seu mandato.

São recursos de quem tem evidentes dificuldades para discutir a procedência da acusação.

É desalentador, por outro lado, que essa estratégia seja beneficiada pela facilidade com que a Justiça concede liminares. O próprio ministro Ilmar Galvão, do Supremo Tribunal Federal, forneceu a prova de que não existia motivo para a medida que ele mesmo assinara quinta-feira: ouvindo argumentos de parlamentares, não demorou mais de 40 minutos para redigir segunda decisão, cancelando a primeira.

Fica o ministro com o mérito de polidamente reconhecer o seu lapso.

Seria melhor ainda se o episódio tivesse efeito pedagógico. O de convencer juízes e ministros que liminares – capazes de trancar procedimentos judiciais, às vezes por muito tempo, sem que seja discutido o mérito do caso – não podem ser concedidas apenas porque alguém pediu, e com base unicamente nas alegações do interessado.”

[9] Periculum in mora

Para alguns, como Castro Villar (CASTRO VILLAR, 1988, p. 128), este perigo da mora não é um perigo genérico de dano jurídico, mas, especificamente, o perigo de dano posterior, derivante do retardamento da medida definitiva, ou, como disse Calamandrei (1945, p. 42), é a impossibilidade prática de acelerar a emanação da providência definitiva que faz surgir o interesse da emanação de uma medida provisória. É a mora desta providência definitiva, considerada em si mesma como possível causa de dano ulterior, que se trata de prevenir com uma medida cautelar, que antecipe provisoriamente os efeitos da providência definitiva.

 

[10] Dano jurídico de difícil ou impossível reparação

Para a perfeita caracterização do dano jurídico de difícil ou impossível reparação não é suficiente, apenas, a simples prova da eventual existência de um posterior dano jurídico no curso da lide, mas, além deste, a indubitável dificuldade ou mesmo impossibilidade de efetiva reparação se o mesmo vier a ocorrer:

“Sem que ocorrentes os pressupostos de aparência de bom direito e de perigo da demora da prestação jurisdicional, não se defere liminarmente medida cautelar, requerida no curso da lide, quando não evidenciada a irreparabilidade do dano” (ac. unân. da 1a T. do TFR, de 10.6.88, no agr. 56.647-PR, rel. min. Dias Trindade; RTFR 165/83) (grifos nossos).

“São requisitos específicos da tutela cautelar o risco objetivamente apurável, de não ser a ação principal útil ao interesse demonstrado pela parte – dano potencial – em razão do periculum in mora; e a plausibilidade do direito substancial invocado pelo pretendente à segurança, ou fumus boni iuris. Se o juiz, em face da prova, se convence da existência de fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, poderá causar ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, deve conceder a tutela” (Mello, 1980, p. 91).

 

[11] Juízo de probabilidade de dano

Lopes da Costa (apud Theodoro Jr., 1976, p. 77) lembra com muita propriedade que “o dano deve ser provável” e “não basta a possibilidade, a eventualidade”. E explica: “possível é tudo, na contingência das cousas criadas, sujeitas à interferência das forças naturais e da vontade dos homens. O possível abrange assim, até mesmo, o que rarissimamente acontece. Dentro dele cabem as mais abstratas e longínquas hipóteses. A probabilidade é o que, de regra, se consegue alcançar na previsão. Já não é um estado de consciência, vago, indeciso, entre afirmar e negar, indiferente. Já caminha na direção da certeza. Já para ela propende, apoiado nas regras da experiência comum ou da experiência técnica”.

[12] Juízo de possibilidade de dano

Não obstante o elogiável esforço da doutrina e da jurisprudência, nos últimos anos, no sentido de precisar a margem de discricionariedade dos julgados para a avaliação da presença ou não do requisito do periculum in mora, através especialmente do esta­belecimento dos conceitos dos diferentes juízos de probabilidade e de possibilidade e, sobretudo, da questão da plausibilidade do fundamento invocado, uma parte extremamente mino­ritária e praticamente isolada, tanto na doutrina como na jurisprudência, ainda insiste na utilização da expressão genérica “possibilidade” para registrar a presença ou não de dano a que alude o periculum in mora.

“No âmbito da cautelar cabe, apenas, ao julgador perquirir da possibilidade do dano grave conseqüente à ineficácia do processo principal periculum in mora e dos indícios de um possível direito fumus boni iuris a ser acautelados. Tais são as condições ou requisitos específicos da tutela cautelar” (ac. unân. da 8a Câm. do TJRJ, de 22.10.85, no agr. 9.476, rel. des. Eugênio Sigaud) (grifos nossos).

[13] Deve ser assinalado, por oportuno, que o motivo determinante (objetivo finalístico) do deferimento da medida liminar em mandado de segurança (a exemplo de outras ações que admitem tal provimento administrativo-cautelar) é, sobretudo, o acautelamento quanto à possibilidade (em verdade, probabilidade-plausível ou simplesmente plausibilidade) de o provimento final (meritório) tornar-se ineficaz ou, em outras palavras, uma garantia cautelar quanto à plena inteireza da sentença, afastando, desta feita, o denominado dano processual de impossível reparação (irreparável) ou, no mínimo, de difícil reparação.

Por efeito – de forma diversa do que pode parecer à primeira vista -, o dano a que alude a legislação vertente para caracterizar o principal requisito de concessão da ordem liminar, necessariamente, concerne ao chamado dano processual, ou seja dano à efetividade do provimento jurisdicional meritório que, a seu tempo, venha a reconhecer o direito autoral. Não se trata, pois, de dano à coisa ou às pessoas (hipótese excepcional presente apenas nas denominadas cautelares administrativas) e nem mesmo de dano necessariamente irreparável, bastando ser de difícil reparação posto que o dano processual de fácil reparação permitiria a plena e adequada correção no momento imediatamente subseqüente à prolação do pronunciamento judicial sentencial.

Por esta sorte de considerações, condenável, como bem adverte HUGO DE BRITO MACHADO (in “A Medida liminar e o Solve et Repete”, Correio Brasiliense, 14.5.2001), a decisão do TRF da 5ª R. (AI 25.660-PE, julg. 19.9.2000, Boletim de Jurisp. nº 132/2001, p. 59), que concluiu que “a cobrança de tributos não configura dano irreparável, pois é franqueada ao contribuinte a via da ação de repetição de indébito, o que torna perfeitamente possível o retorno ao status quo ante”, considerando que a exigência da lei in casu cinge-se apenas ao dano processual de difícil reparação e igualmente não à ampla possibilidade – e sim à plena e restrita plausibilidade – de completo retorno ao status quo ante, o que, em muitas situações, resta improvável pela via do ajuizamento (posterior) da ação de repetição de indébito ou de qualquer outro processo cognitivo. Portanto, como bem já decidiram o STF (ADln nº 567-DF, reI. min. ILMAR GALVÃO, julg. em 12.9.91, DJ de 4.10.91, p. 13.779; RTJ Gen  138/60) e o próprio TRF da 5ª R. (MS 48.557-PE, julg. em 7.4.95), o dano processual, caracterizador do pressuposto cautelar, é todo aquele cuja reparação não pode ser determinada plenamente (em sua efetiva inteireza) pela própria sentença proferida na sede da ação principal (mandamental ou de outra natureza, conforme o caso), traduzindo a sua  necessária e sinérgica efetividade jurisdicional.

[14] Fumus boni iuris como elemento de ligação entre o mérito cautelar e o mérito da ação principal

É evidente que não estamos aqui a sustentar que o fundamento da pretensão cautelar seja exatamente o mesmo do fundamento material alegado pela parte. Mas, ao mesmo tempo, negar, por completo, qualquer relação entre os diversos fundamentos de ambas as pretensões (a principal e a cautelar) através do fumus boni iuris (liame subjetivo que incontestavelmente as une), como deseja Liebman (1968, p. 36), amparado na doutrina de Carnelutti – ao defender na providência cautelar a existência de uma “mera ação” à base de simples interesse e não de autêntico direito subjetivo (especialmente no caso das ações cautelares) –, é permitir negar a própria existência do requisito em questão (o fumus boni iuris) nas ações cautelares, como chegou a defender Campos (1974, ps. 128-132): “Se o processo cautelar tem por fim tutelar o processo, o que se acerta no seu decorrer é a existência de ameaça ao direito da parte ao processo, isto é, ao direito de ação, que não se confunde de forma alguma com o direito subjetivo material.”

[15] Equivalência da sentença na ação cautelar à medida liminar nos writs constitucionais

Na verdade, a medida liminar em mandado de segurança, ação popular e ação civil pública é muito mais aproximada, em termos de equivalência à medida cautelar, ínsita na ação cautelar, do que propriamente, como supõem os menos avisados, equivalente à medida liminar prevista no art. 804 do CPC, cuja natureza jurídica é de simples antecipação da própria medida cautelar.

Não obstante a medida liminar, nas ações de rito especial que a prevêem, não estar associada a um processo autônomo – como a medida cautelar na ação com idêntica designação – a exemplo desta última, a medida liminar nos writs também possui um conteúdo meritório próprio e específico (cujo liame subjetivo que o associa com o mérito do pedido principal é exatamente o fumus boni iuris), considerando que muito embora esteja inserida no mesmo processo e, por efeito, na mesma ação, possui, em qualquer hipótese, em seu procedimento peculiar, um relativo e elevado grau de autonomia.

[16] Periculum in mora e fumus boni iuris como condições específicas da ação cautelar

Em sentido contrário, no que tange especificamente às ações cautelares, temos, entretanto, as seguintes opiniões: “as cautelares sujeitam-se às condições comuns a toda ação e subordinam-se a requisitos específicos consubstanciados no fumus boni iuris e no periculum in mora, gerando carência de ação a inexistência destas condições, a serem examinados ao prudente arbítrio do juiz” (ac. unân. da 2a Câm. do TAMG, de 21.12.88, na apel. 42.409, rel. juiz Garcia Leão; RJTAMG 34 e 37/340; Adcoas, 1989, no 125.490) (grifos nossos).

[17] Fumus boni iuris como condição específica e particular da ação cautelar

Digna de menção, entretanto, é a posição de Campos (defendida em parte por Theodoro Júnior) e assente com Castro Villar, para quem, “ao acertar o fumus boni iuris, o juiz acerta apenas a probabilidade e verossimilhança do pedido cautelar e não do pedido de fundo” (Castro Villar, 1971, p. 61).

Em suma, o requisito da ação cautelar, tradicionalmente apontado como o fumus boni iuris, deve, na verdade, corresponder não propriamente à probabilidade de existência do direito material – pois qualquer exame a respeito só é próprio da ação principal –, mas sim à verificação efetiva de que, realmente, a parte dispõe do direito de ação, direto ao processo principal a ser tutelado (Campos, 1974, p. 132).

É importante mencionar, a propósito, que, para estes autores, o fumus boni iuris é mera condição específica da ação cautelar, não se constituindo em mérito da mesma, o que nos remete a uma curiosa conclusão: a ação cautelar, embora possua pressupostos processuais e condições genéricas e específicas, não possui qualquer conteúdo meritório e, portanto, talvez nem “ação possa ser considerada”.

[18] É importante ressaltar que no regime de vigência da Lei n° 191, de 1936, a liminar era concedida tão-somente mediante iniciativa do impetrante (arts. 8º, 9º), considerando-se decisão ultra petita aquela que ordenasse a suspensão do ato, sem aquela solicitação da parte. O Código de Processo Civil de 1939, é interessante notar, prestigiava esse modo de considerar as coisas, ao preceituar que “o juiz não pode pronunciar-se sobre o que não constitua objeto do pedido”.

[19] O exemplo do mandado de segurança se aplica, por perfeita analogia, aos demais casos de ação popular, ação civil pública e ação cautelar, esta última, inclusive, por específica disposição legal do CPC, interpretada por extensão quanto ao seu alcance.

[20] Concessão ex officio da tutela cautelar em forma ou não de medida liminar pelo juiz

Esta posição doutrinária, flagrantemente majoritária, segundo a qual a tutela cautelar, em forma de medida liminar ou não, pode ser concedida ex officio pelo magistrado, independentemente de provocação pelas partes, é importante lembrar, já foi por nós exaustivamente abordada no capítulo específico que trata do Poder Cautelar Geral e Genérico.

[21] Fundamento jurídico do pedido e fundamento relevante

Beznos (1982, vol. 31) traça um interessante paralelo entre o fundamento relevante, como requisito da liminar, e o “fundamento jurídico do pedido”, como um dos requisitos preconizados pelo art. 282 do CPC. O autor afirma que o fundamento jurídico nada mais é que uma relação de adequação lógica entre os fatos descritos e as conseqüências pedidas.

Quanto à relevância que se pode exigir desse fundamento jurídico, Beznos entende que ela consiste apenas na viabilidade aparente (e daí a confusão com o requisito do fumus boni iuris) de que os fatos descritos possam redundar na conseqüência pedida no mandamus. Exigir mais do que isto seria impor um prejulgamento do mérito da segurança, para a outorga ou não da liminar. Arrematando: relevante será o fundamento possível dentro do ordenamento jurídico, capaz de levar à conclusão pedida pelo impetrante.

Por fim, alerta o ilustre articulista que, presente essa relação de adequação entre os fatos narrados e a providência pedida, deve o juiz atentar muito mais para o  periculum in mora sob pena de, em muitas circunstâncias, aniquilar o direito constitucional de defesa pelo writ.

[22] Escolha na imposição do gravame à parte pelo julgador

O próprio princípio da imparcialidade do julgador jamais poderia licitamente permitir a “escolha” consciente da imposição de qualquer gravame a uma das partes, até porque este não é o verdadeiro objetivo do processo cautelar autônomo ou do procedimento cautelar em forma de liminar que visa exatamente a encerrar a eventual situação de risco, garantindo a certeza da decisão final e,por consequência, a efetividade da sentença.

[23] Condições fundamentais  para a ampla aceitação do Judiciário pela sociedade

LUHMAN (apud FALCÃO, 1992, p.7) aponta três condições fundamentais para o Poder Judiciário ser aceito pela sociedade: a) produzir decisões (sentenças); b) implementar decisões; e c) solucionar ou minorar, de forma real, o conflito aparentemente resolvido na sentença.

Embora a primeira condição pareça óbvia porque todos, aparentemente, vão ao Judiciário para buscar uma decisão (na realidade fática), esta condição preliminar não só não é óbvia, como ainda é de difícil operacionalização porquanto (talvez, até na maioria dos casos) os jurisdicionados não buscam no Poder Judiciário propriamente uma decisão e, sim, buscam, na maioria dos casos, evitar esta mesma decisão.

O aparente paradoxo, no entanto, é resolvido pela simples observação da prática judiciária do dia-a-dia. Por exemplo, quantas pessoas, de fato, preferem recorrer à Justiça, através de medidas cautelares (com previsão liminar), para, através, de pseudogarantias de fiança bancária, deixar, – ou pelo menos adiar sine die – de recolher importante volume de tributos ao fisco, sob os mais diversos argumentos que mais tarde – ou mesmo concomitantemente em processo equivalentes – são julgados improcedentes ou, na verdade, não possuíam qualquer chance real de êxito? Quanto inquilinos, segundo o próprio exemplo de FALCÃO (ob. cit.), preferem recorrer ao Judiciário a pagar o aumento do aluguel contratado, apostando num eventual acordo com o proprietário premido pela lentidão de uma solução final (ou de uma eventual anistia fiscal, no primeiro caso)?

Portanto, nem mesmo podemos afirmar que a primeira condição para o Judiciário ser aceito pela sociedade encontra-se, de forma plena e absoluta, satisfeita.

[24] Ordem pública

Interpretando construtivamente e com largueza a ordem pública, o então presidente do TFR e posteriormente ministro do STF, JOSÉ NERI DA SILVEIRA, explicitou que “Nesse conceito se compreende a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, o devido exercício das funções da administração pelas autoridades constituídas ” (TFR, Suspensão de Segurança nº 4.405 – SP, DJU de 7.12.79, p. 9.221).

[25] Muitas vezes têm sido confundidos os diferentes conceitos da verossimilhança da alegação (típico requisito autorizador para a concessão de tutela antecipatória) com o tradicional fumus boni iuris (relativo ao pressuposto para o deferimento de tutela cautelar). Se é certo que ambos os institutos processuais guardam suas indiscutíveis semelhanças, é igualmente correto afirmar que não são idênticos por outro prisma, não obstante algumas vozes discordantes neste particular.

“Verossimilhança nada mais é do que o velho e conhecido requisito do fumus boni iuris(Adriano Perácio).

Na verdade – através de uma arriscada simplificação –, seria razoável concluir que a verossimilhança da alegação (na qualidade de inconteste juízo de convencimento a ser procedido sobre o quadro fático apresentado pela parte) nada mais é do que um fumus boni iuris ampliado que melhor se traduz pela “semelhança ou aparência de verdade” do que propriamente pelo restrito conceito de “fumaça do bom direito”.

Essencialmente, trata-se de conceito menos abrangente do que o juízo amplo de possibilidade (veja a propósito maiores detalhes em nossa obra Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares em Mandado de Segurança, Ação Cautelar, Tutela Antecipada e Tutela Específica. 5. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002), porém mais elástico do que o juízo próprio de probabilidade plausível, inerente ao requisito cautelar do fumus boni iuris.

[26] Segundo lições de DINAMARCO (1995, p. 176-177), “as medidas inerentes à tutela antecipada, como já tivemos a oportunidade de consignar têm nítido e deliberado caráter satisfativo, sendo impertinentes quanto a elas as restrições que se fazem à satisfatividade em matéria cautelar. Elas incidem sobre o próprio direito e não consistem em meios colaterais de ampará-los, como se dá com as cautelares.

Nem por isso o exercício dos direitos antes do seu seguro reconhecimento em sentença deve ser liberado a ponto de criar situações danosas ao adversário, cuja razão na causa ainda não ficou descartada. É difícil conciliar o caráter satisfativo da antecipação e a norma que a condiciona à reversibilidade dos efeitos do ato concessivo (art. 273, § 2º). (Fala a lei em ‘irreversibilidade do provimento antecipado’, mas não é da irreversibilidade do provimento que se cogita. A superveniência da sentença final, ou eventual reconsideração pelo juiz, ou o julgamento de algum agravo, podem reverter o provimento, mas nem sempre eliminarão do mundo dos fatos e das relações entre as pessoas os efeitos já produzidos).

Some-se ainda a necessidade de preservar os efeitos da sentença que virá a final, a qual ficará prejudicada quando não for possível restabelecer a situação primitiva.

Uma cautela contra a irreversibilidade reside na aplicação de regras inerentes à execução provisória das sentenças. O § 3º do art. 273 manda aplicá-las para impedir a alienação de bens do réu e para condicionar à prévia caução idônea o levantamento de dinheiro. Dita a reversão à situação anterior em caso de desfazimento do título executivo, aplicando-se também essa regra à execução antecipada. Mas, ao remeter-se somente aos incisos II e III do art. 588 do Código de Processo Civil, aquele § 3º exclui a exigência de caução para dar início à execução provisória. De todo o disposto no § 3º resulta, pois, que a execução provisória das decisões antecipatórias com caráter condenatório far-se-á sem prévia caução mas não chegará à expropriação de bens penhorados e, propiciando embora o levantamento de dinheiro, condiciona-o a caução. (Nesses casos, estando assim satisfatoriamente garantida a reversibilidade, inexiste males a temer. A lei deixou de fora qualquer disposição sobre a responsabilidade civil do exeqüente, mas resulta das normas gerais de direito privado que, se prejuízos houver, por eles responderá quem se valeu da tutela antecipada e depois se positivou que não tinha direito).

Cautelas análogas o juiz adotará em relação a qualquer outro direito cujo gozo autorizar por antecipação. Determinando-se a entrega de bem móvel, exigirá caução idônea que assegure a devolução. Se for entregue bem imóvel o risco é menor. O cumprimento das obrigações de não fazer poderá ser exigido desde logo quando a atividade vetada é contínua e assim for puramente pecuniário o possível prejuízo (exige-se caução, se for o caso).

Sendo necessário conciliar o caráter satisfativo da tutela antecipada com o veto a possíveis efeitos irreversíveis da decisão que as concede, cabe ao juiz em cada caso impor as medidas assecuratórias que sejam capazes de resguardar adequadamente a esfera de direitos do réu (cauções, etc.).”

[27] Necessário contraponto ao requisito do Periculum in Mora originário e, portanto, necessariamente adstrito aos efeitos colaterais que o mesmo possa vir a produzir.

[28] Impedimento autônomo que alude à necessária reversibilidade da antecipação dos efeitos jurídicos de natureza meritória (direito  material).

[29] É oportuno registrar o fato de que o condicionamento compulsório da liminar à caução prévia existe no direito alemão (§§ 921 e 936 do ZPO) e no argentino (art. 199 do CPC federal).

[30] É importante frisar que embora o Código de 1939 não cogitasse da caução como contracautela, a jurisprudência, durante sua vigência, passou a exigi-la, principalmente como condição de deferimento liminar da medida inominada da sustação do protesto cambial. Como se lê em acórdão da 5ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, datado de 16.5.73, “o abuso dos pedidos de sustação, como meio de ganhar tempo para cobrir fundos bancários, insuficientes, prolongando a mora sem sanção, fez com que os magistrados passassem a exigir o depósito prévio da quantia objetivada, como meio de cortar os excessos” (RT, 456/122).

[31] Conforme salienta Lacerda (ob. cit., ps. 345-346), caução constitui meio genérico de garantia. O Código usa a expressão “caução real ou fidejussória”, já empregada pelo Código Civil nos arts. 419 e 729, para abranger as duas espécies destacadas pela doutrina. Como exemplos de caução real, citam-se a hipoteca, o penhor, a anticrese e o depósito de títulos de crédito, equiparável a penhor pelos arts. 789 e segs. do Código Civil, bem como o de outros títulos e valores mercantis. Consideram-se também cauções reais os depósitos judiciais em garantia, feitos em dinheiro ou em outros bens móveis ou imóveis, embora não formalizados em penhor ou hipoteca. As cauções fidejussórias possuem natureza pessoal. Seu exemplo típico é a fiança, mas nelas incluem-se igualmente outros negócios jurídicos de garantia, como a cessão ou promessa de cessão condicional de créditos ou direitos de outra natureza.

Qualquer destas modalidades serve à contracautela, apesar de serem mais comuns e usuais a fiança e o depósito em dinheiro. A jurisprudência tem admitido, também, o depósito de mercadorias e o penhor (RT, 500/112 e 114).

Na caução do art. 804 deparamos com a interessante figura de cautela enxertada em cautela, por exigência de ofício do juiz (art. 797), sem audiência do requerido, de cujo interesse cuida-se. Não se confunde essa medida com as cauções do art. 799 e dos arts. 826 e segs. As primeiras resultam de providência inominada, não prevista em lei material, ao passo que as últimas constituem projeção processual das cauções prescritas ou autorizadas no direito material ou no contrato, como instrumentos de garantia em face de relações principais litigiosas. Por isso, bem andou o congresso de magistrados realizado em agosto de 1974 no Rio de Janeiro, quando concluiu que a caução do art. 804, porque prestada direta e imediatamente por ordem judicial, sem citação do réu, nada tem a ver com o procedimento cautelar de caução tratado pelos arts. 826 a 838.

 

publicado em: Jornal Jurid Digital. Internet, 19/09/2014. Disponível em http://jornal.jurid.com.br/materias/doutrina-processual-civil/periculum-in-mora-inverso-reverso (ISSN: 1980-4288; Qualis originário: C)
Revista de Processo – RePro, Ano 39, Vol. 237, Novembro/2014 (págs. 159 a 194) (ISSN: 0100-1981; Qualis originário: B1)
Revista de Direito da ADVOCEF, Ano X, Nº 19, Novembro/2014 (págs. 89 a 126) (ISSN: 1808-5822; Qualis originário: C)
Revista Dialética de Direito Processual, Nº 143, Fevereiro/2015 (págs. 76 a 101) (ISSN: 1678-3778; Qualis Direito: C)
Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Nº 99, abr/mai/jun 2014 (págs. 37 a 67) (ISSN: 1982-663X; Qualis Direito: C)
Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Ano XXVI, Nº 124 – Janeiro/Março de 2015 (págs. 15 a 42). Disponível em http://www.trf3.jus.br/trf3r/index.php?id=2561 (ISSN: 1982-1506; Qualis Direito: C)
Revista da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região – EMARF, Vol. 22, Nº 1 – Mai./Out. 2015 (págs. 265 a 301). Disponível em http://www.trf2.gov.br/ emarf/documents/revistaemarfvol22.pdf (ISSN: 1518-918X; Qualis Direito: C)
Revista da Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região, Ano 3, Nº 6, 2017 (págs. 115 a 150). Disponível em http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=1336 (ISSN: 2358-4602)